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CIO: o outro lado do paraíso estratégico

Para fazer valer a estratégia, executivos de TI afirmam que operacional deve estar em ordem

A revolução do digital prossegue transformando modelos de negócios e hábitos da sociedade hiperconectada. É um cenário tenso para quem comanda a TI em organizações de variados setores porque as respostas a essas mudanças precisam acontecer em alta velocidade. Como equilibrar os pratinhos do operacional e do estratégico em meio à disruptura em curso?

Esse desafio é ainda maior, considerando que a nova economia exige que o CIO contribua efetivamente com os resultados do negócio e para alcançar esse objetivo não pode concentrar seus esforços apenas no operacional. Precisa estar no mesmo patamar dos C-Levels e trabalhar alinhado com eles, como parceiros e não como clientes.

Em um artigo instigante do consultor Cezar Taurion, aqui na CIO,  ele alerta que os líderes de TI estão perdendo espaço nos budgets de tecnologia para executivos de linhas de negócio que passaram a aplicar tecnologias, de maneira independente do conhecimento e da gestão da área de TI. O que aumenta ainda mais a pressão.

De acordo com o Gartner, existem várias formas de a TI pensar de maneira estratégica, uma delas é trabalhar “de fora para dentro”, ou seja, a tecnologia deve vir por último e não como primeiro passo para analisar. Antes, devem ser avaliados fatores que deem suporte às decisões tecnológicas como megatendências, estratégia corporativa e objetivos de negócios.

É, portanto, um momento de grande movimentação e reflexão. Mas como os CIOs enfrentam esse cenário que os empurra para um papel mais estratégico, visto que para fazer valer a estratégia, é preciso que o operacional esteja funcionando em plena ordem?

Entre a cruz e a espada
Angelo Fígaro, CIO da Aliança Renault e Nissan América Latina é enfático e objetivo quanto à questão: “O disfuncionamento diário demite o CIO e o digital o promove”. O executivo, que ingressou na montadora em 1996 e tornou-se CIO em 2011, destaca que hoje tem uma cadeira no board, e brinca: “Mas ainda persiste aquele rótulo…em plena reunião, quando o mouse não funciona, todos olham pra mim”.

Fígaro conta que há alguns anos, quando estava iniciando um programa de inovação na Renault, ao conversar com um dos diretores da empresa, resolveu compartilhar com ele as expectativas que a evolução poderia proporcionar para o negócio, entre outros pontos.

“Ele então me interrompeu e disse: ‘Ok, tudo bem, mas antes de tudo temos de fazer aquela impressora ali funcionar’. Moral da história: você pode ter o projeto mais inovador em curso, mas se o dia a dia não estiver funcionando, toda a credibilidade da TI vai por água abaixo.”

Outro episódio que significou um marco na reflexão do CIO da Renault sobre o operacional foi durante encontro com o chairman da companhia. Ele aproveitou a oportunidade e expôs alguns ganhos favoráveis sobre os avanços da TI com resultados satisfatórios de atendimento aos clientes internos, redução expressiva dos chamados, entre outras conquistas. “Isso não me interessa, porque é o básico, tem de ser exatamente assim. Essa é a sua função e esse tem de ser o resultado”, respondeu o presidente.

“A partir dali, ficou muito mais claro para mim que, de fato, manter a excelência no atendimento aos clientes internos no dia a dia e o pleno funcionamento da infraestrutura são obrigação da TI. É minha missão básica. Certamente, o sistema de e-mail operando bem, por exemplo, muitas vezes pode ser mais importante do que outras aplicações estratégicas. É fato”, relata.

É o que entende Sérgio Bambace, há seis anos como CIO na Vigor. Ele diz que a situação ficou muito mais complicada com a transformação digital, que é uma grande oportunidade para a TI e ao mesmo tempo um grande desafio.

“Se o dia a dia não estiver no modelo sustentável, põe a perder todo o esforço do time. TI é o suporte da companhia, tudo tem de estar rodando plenamente. Sabemos que os projetos nobres são compartilhados, mas também o não funcionamento”, alerta.

Segundo ele, é preciso fazer a infraestrutura funcionar para dar disponibilidade ao provimento de serviços, porque pode gerar prejuízo, impactando financeiramente o negócio. E ainda cuidar dos projetos para que eles sejam bem-sucedidos.

“Sinto-me estratégico mesmo quando cuido do operacional. Afinal, toda ação que gera produtividade por modernização de processos gera valor para o negócio. O diferencial é o ponto de vista do negócio”, ressalta.

Bambace destaca que a arte está em manter o bom funcionamento da infraestrutura e ainda orquestrar essa responsabilidade com a criação de projetos transformadores, gestão e formação de um time de excelência.

“A TI aqui felizmente é vista como uma área estratégica e para isso participa dos projetos desde o início da sua construção. Por isso, é muito importante a proximidade com as áreas de negócios. Somente dessa forma a TI ganha confiança e estabelece uma relação de parceria.”

Virando a chave
O empenho é constante para manter o dia a dia a todo o vapor e ao mesmo tempo liderar a transformação digital para o crescimento sustentável do negócio e a produtividade da empresa. Os CIOs vivem criando alternativas em busca desse equilíbrio e ganharem mais tempo para aprimorar o conhecimento e inovar.

Há três anos, a TI da Renault empenha-se para saber como é vista pelas áreas de negócio. Em 2016, foi criado o Business Value, um indicador para medir ganhos tangíveis e intangíveis de todas as atividades. “Precisávamos medir valores gerados para o negócio, direta e indiretamente”, revela Fígaro.

Foi assim que, a partir de então, cada centavo aplicado na TI é aliado ao valor gerado, sua rentabilidade. A TI passou de custo à estratégica. “Até mesmo um projeto operacional pequeno, de digitalização para a eliminação de papel, gera significativa economia e aumento de produtividade. Isso não é estratégico?”, questiona.

Na avaliação de Fígaro, existem áreas críticas que são verdadeiro termômetro de como a estratégia operacional está funcionando, ou não. O Help Desk é uma delas. “Na verdade, constitui-se em um verdadeiro martírio para qualquer CIO e para o cidadão que nele trabalha. A regra é básica. Ele tem de receber a menor quantidade possível de chamadas. Sinal de que as coisas estão funcionando bem.”

Outra saída bem-sucedida é a “Agência de TI”, um balcão de pronto atendimento, com três técnicos, localizado estrategicamente próximo ao refeitório. As pessoas levam seus notes e equipamentos debaixo do braço e na maior parte dos casos tudo é resolvido na hora, com substituição de peças, ajustes, entre outros.

Mais uma iniciativa certeira contempla as assistentes dos departamentos. Segundo Fígaro, elas ajudam a disseminar o trabalho da TI.  “Disponibilizamos para essas profissionais materiais importantes com dicas e informações sobre tecnologias que usam no dia a dia para esclarecimento de dúvidas e resoluções de problemas simples. Assim, aculturamos as pessoas e promovemos o digital”, diz.

Recentemente, foi criada a “TI mais próxima”. Um programa em que um profissional da TI passa três dias em cada área de negócio para identificar as suas urgências, problemas e dificuldades em lidar com as tecnologias. “A cada questão atendida, é formado um multiplicador da solução naquele departamento. Além disso, nos proporciona a vantagem da proatividade em sugerir evoluções para modernização de processos.”

“Estamos o tempo todo realizando pesquisas de satisfação para que possamos saber como os usuários estão percebendo os serviços. Avaliamos os chamados críticos para modernizarmos e melhor servir, usando ferramentas de monitoramento para redução de incidentes”, diz Bambace.

Nessa jornada, aliviar a carga do operacional por meio da tecnologia também é uma das estratégias do CIO da Vigor. Segundo ele, redundância automática e outras tecnologias e ações preventivas proporcionam mais eficiência do operacional e tranquilidade ao dia a dia da TI, gerando ganho de tempo para dedicação a projetos.

“Existem no mercado serviços de terceirização de boa parte do operacional. Mas o fato de delegar a fornecedores determinadas atividades não retira do CIO a responsabilidade sobre elas e muitas vezes traz até mais dor de cabeça”, avisa, acrescentando que o pulo do gato é contar com bons fornecedores e SLAs que contemplem segurança e garantias.

“Para isso, o CIO deve ler aquelas cem páginas, item por item. Não basta somente o jurídico. Esse é um momento crítico o vital para preservar a empresa de sérios problemas e prejuízos”, ensina.

Fato é que a TI está assumindo papel cada vez mais importante nas organizações, entrelaçada a estratégias para clientes, parceiros e fornecedores por meio de produtos e serviços disruptivos. Nesse comando, os CIOs, mestres em tecnologia, vivem o malabarismo diário de equilibrarem-se sobre o fio que separa o operacional e o estratégico.

Solange Calvo

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